terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Ano Hercúleo - Prólogo

Bem vindo de volta meus caros!

Como prometido, este será o prólogo para o nosso Ano Hercúleo! Nesse conto, irei mostrar, de forma sucinta, como o grande heróis nasceu e se tornou o homem que é.

Espero que se divirtam e, no último conto de Janeiro/14, teremos o seu primeiro grande trabalho!


Hércules, um homem de musculatura e proporções enormes, rumava para a cidade de Delfos, onde buscaria os conselhos do famoso oráculo. Seus longos cabelos negros, emolduravam a face de tristes olhos da mesma cor, que lhe davam um ar ambíguo, tanto selvagem quanto o quadro da mais perfeita depressão.
Ninguém, ao seu redor, sabia do sofrimento que sentia, até os próprios deuses teriam dificuldade de entrar na mente turbulenta daquele homem em desespero. Não conseguindo, ele mesmo conter o turbilhão, Hércules virou para os céus e bradou, com sua voz grossa e tão similar a um rugido:
- Meus deuses! O que esperam de mim? Por que devo sofrer tanto? - E caiu de joelhos na estrada vazia.
Como se em resposta, vindo dos céus, uma coruja, com suas penas uma mescla equilibrada entre cobre e prata, pousou no ombro do gigante homem.
Ao visar os olhos do herói, a criatura divina viu apenas a expressão de um homem perdido e indagou:
- Caro Hércules, o que faz buscando a cidade de Delfos? Espera encontrar o perdão dos deuses?
- Minha cara Nikitmene, você esteve ao meu lado durante anos. Lembro de sua presença desde a minha mais tenra idade, mas me abandonou quando me tornei um homem e casei com Mégara.
- Nunca o abandonei, grande herói, apenas passei a observa-lo de longe. – Respondeu a coruja, com uma voz mansa e carinhosa – Fiquei ao seu lado enquanto Athena assim desejou, como agora.
- Athena?! – Questionou com surpresa – Então é para ela que responde! E que respostas me traz dos deuses? Serei para sempre um sofredor que mal sei de onde vim?
- Me siga Hércules, trago ordens de Athena e Zeus, para lhe contar toda a verdade. Você sempre se mostrou um homem bom e honrado, mesmo com todas as recentes amarguras, e agora irá saber de tudo.
Hércules se desviou do caminho usual e se embrenhou na floresta esparsa, sem temer homem ou fera, pois possuía a força de inúmeros guerreiros, a sabedoria de centenas de anciões e o conhecimento militar de milhares de generais. Ao encontrarem uma clareira adequada, se sentaram e a ave começou a contar toda a história.

- Você Hércules, é na verdade filho de Alcmena com o maior dos deuses, Zeus, o senhor do Olimpo.
- Eu sou filho de um deus? E quanto a Anfitrião?
- Ele é seu pai por criação, pois, como todo semideus, você não pôde viver ao lado de seu pai verdadeiro. Zeus tinha grandes planos para você.
Durante muitos anos, ele viu os helenos se degladiarem em guerras, contendas e disputas desnecessárias, até decidir que todo o povo grego deveria ser unificado embaixo de um único rei, um herói.
Para isso decidiu que ele mesmo teria que gerar tal homem e, buscando uma mulher adequada, acabou se apaixonando por Alcmena, descendente de Perseu, mas ela estava prometida para Anfitrião.
O casamento de ambos deveria já ter ocorrido, mas, por um golpe do destino, Anfitrião acabara matando acidentalmente o pai de Alcmena, que passou a se recusar de estabelecer laços com o assassino de Eléctrion.
Então, usando de seus poderes divinos e se aproveitando da situação, Zeus fez com que Alcmena aceitasse Anfitrião, desde que ele aceitasse a condição de entrar em guerra com os Teléboas, guerreiros com voz de trovão e antigos inimigos de Eléctrion, assim que os rituais de união fossem concluídos.
Por ainda amar Alcmena, Anfitrião não questionou tal pedido, por mais estranho que tenha parecido, e partiu para guerra antes mesmo do festim nupcial se iniciar.
Zeus acompanhou a guerra de seu trono no Olimpo, observando cada trejeito e conquista do guerreiro, e, após três dias de batalha, viu que os Teléboas estavam derrotados. Não perdendo tempo, o senhor dos deuses tomou a forma de Anfitrião e se apresentou para Alcmena, contando todas as proezas que fizeram em combate, numa atuação tão perfeita que enganaria qualquer mortal.
Recebendo tantos detalhes e reconhecendo os trejeitos de seu marido, Alcmena se entregou para Zeus e fizeram amor durante três noites.
Para lograr tal feito, Zeus enviou Hermes com ordens para três deuses, Hélios, o deus Sol, não deveria sair de seu palácio, Selene, a deusa da Lua, deveria retardar sua caminhada nos céus e, por fim, Hipnos, o deus do sono, deveria manter todos os mortais dormindo durante os três dias, para que estes não percebessem a sua passagem.
Dessa união apaixonada, você foi concebido, meu querido Hércules.
- Mas, se sou filho de Zeus e destinado a governar os gregos, por que estive casado com Mégara e, apenas, dono de algumas terras? – Questionou o herói, trocando sua posição para uma mais confortável, sua expressão de homem desgraçado já mais amena.
A coruja também se ajeitou e continuou, numa voz séria:
- É por causa de Hera. Como bem sabe ela é a deusa da família e abomina qualquer tipo de traição nupcial.
Próximo ao dia em que você nasceria, Zeus não se conteve mais e juntou todos os Olimpianos para contar sobre seu filho e seus planos de unificar a Grécia, dizendo em como o próximo filho da linhagem de Perseu iria se tornar o governante de todos os helenos.
Com o ciúmes correndo por suas veias e já bolando um plano para se vingar de seu marido, Hera pediu para que Ate, a deusa do erro, jogasse seu manto invisível sobre o grande deus e perguntou se ele confirmaria novamente essa previsão.
Com o peito cheio de orgulho, seu pai jurou sobre as águas do rio Estige, que percorre o mundo dos mortos, que todos os mortais se curvariam para o próximo bebê que nascesse com o sangue de Perseu.
Vendo o pacto selado, Hera buscou a ajuda de Ilítia, a deusa dos partos, para que retardasse o seu nascimento e acelerasse a vinda de seu primo, Euristeu, para o mundo, mesmo que na forma de uma criaturinha miúda e fraca.
Ao saber de toda a artimanha, Zeus, lançou Ate para fora do Olimpo, banindo-a eternamente para o mundo mortal, e tornando o erro algo apenas relacionado à humanos, mas não poderia voltar atrás de suas palavras. Anos depois, Euristeu, o qual se mostrou um homem mesquinho, débil e ardiloso, se tornou o rei de Micenas, pois não foi capaz de unificar toda a Grécia.
Porém, o grande deus não deixaria seu filho desamparado, pois sabia que Hera iria perseguí-lo até o fim dos tempos, uma vez que ele ainda seria um grande herói, responsável por inúmeros feitos fantásticos, e mandou que Athena cuidasse de você.
E assim começou a sua história.
- Agora começo a entender porque você esteve ao meu lado. – Ponderou Hércules – Corujas sempre foram um símbolo da deusa da sabedoria.
- Sim, eu fui enviada para observar você e lhe passar todo o conhecimento Olimpiano, tornando-o culto e sábio, assim como proteger você desde o segundo dia.
- Segundo dia? Athena não deveria ter me vigiado desde o começo?
- Sim, mas, no primeiro dia, ela lhe deu um presente mais valioso, sua força e invencibilidade. Quando você nasceu, Athena avisou Alcmena sobre os ataques da deusa, e a aconselhou a esconder você no campo, o que foi feito sem demoras.
Utilizando-se de sua infinita inteligência, Athena saiu para caminhar com Hera e fez com que ela passasse próxima do seu esconderijo, para que você fosse encontrado.
Hera, não desconfiando da filha de Zeus, pensou ter encontrado um bebê qualquer, que estava abandonado, e o alimentou com seu leite divino, lhe conferindo força e velocidade sobre-humana, assim como uma resistência muito maior daquela de qualquer outro mortal.
Naquela noite, você foi levado de volta para o palácio de Alcmena e Anfitrião, onde conquistou seu primeiro ato heroico.
Athena estava explicando para sua mãe e seu pai adotivo tudo o que havia ocorrido no Olimpo, e como você deveria ser criado com amor e dedicação, acreditando que tudo estava calmo no outro cômodo. Porém, vendo uma abertura na sua proteção, sem saber que você havia bebido o leite mágico, Hera enviou duas enormes serpentes, que rastejaram silenciosamente e o atacaram.
Ao escutarem o estardalhaço, os dois mortais e a deusa, correram para ver como você estava, mas era tarde demais. No chão do quarto, encontraram apenas as carcaças sem vida das víboras, que não resistiram à sua força e invencibilidade e foram estranguladas até a morte.
Naquela mesma noite, Athena me convocou e eu fiquei ao seu lado até a vida adulta, não só garantindo tudo que já lhe mencionei, mas, também, encontrando os melhores mestres e tutores nas artes da cultura e da guerra, para que você fosse moldado com o maior de todos os heróis.
- O maior de todos os heróis? – Riu Hércules, tristemente, seus olhos se enchendo de lágrimas – Você partiu quando eu me tornei um homem, então deixe-me contar como minha vida seguiu até esse dia:
Realmente, Anfitrião me criou como a um filho, me ensinou a guiar carros de combate, manusear a espada e o arco, assim como convocou os melhores para me ensinarem a arte da guerra, da música, da ginástica e das letras e, durante anos, eu fui feliz e heroico, pois matei o leão que atormentava os rebanhos de meu amigo Téspio e comandei as tropas que livraram o reino de Tebas e seus arredores dos terríveis homens de Orcômeno, senhor da guerra que vinha conquistando e escravizando toda a Grécia.
Essa última conquista me proporcionou minha maior felicidade e minha maior desgraça, pois Creonte, rei de Tebas, me agradeceu com a mão de sua filha Mégara, uma mulher maravilhosa, e me tornando o sucessor do trono.
Deveria ter suspeitado de minha linhagem, uma vez que fui presenteado pelos deuses, no meu casamento, com uma couraça completa, uma espada afiadíssima, um arco sem igual e um escudo que, até agora, se mostrou indestrutíveis, todos esses itens feitos do mais puro ouro, assim como dois cavalos velozes como o mar em tempestade.
- Me lembro disso. – Comentou Nikitmene – Lembro também de como foi difícil manter sua mente longe dos deuses, para que não pensasse sobre sua descendência. Foi a última vez que nos vimos.
- Sim, aquela foi a última vez e os anos seguintes foram os mais felizes de minha vida, continuei me aventurando e Mégara me presenteou com três lindos filhos. Mas, num momento de total loucura, acreditei que estava sendo atacado por três dragões, num palácio amaldiçoado, e os ataquei sem perdão, assim como destruí sua morada.
Após horas de combate e destruição, minha visão se turvou e vi que, na realidade, eu havia acabado com o palácio de Creonte, deixando apenas blocos de rochas espalhados que, uma vez removidos, me mostraram a pior visão que já tive, os corpos de três crianças dilaceradas.
Eu, sozinho, havia executado meus próprios filhos.
Sem poder me conter, abandonei minha casa, sob as ameaças de Mégara, a mulher que eu amei, me envenenar durante o sono como vingança, e vaguei pelo mundo sem destino. Até que, conhecendo um viajante, fui informado sobre o Oráculo e decidi ir até Delfos, descobrir porque sou tão amaldiçoado.

A expressão de Nikitmene era sóbria, mesmo para uma coruja, e, usando o tom mais reconfortante que conseguiu, assumiu:
- Eu já sabia de sua história, pois vivo no Olimpo. Mas agora você sabe de tudo que aconteceu sem o seu conhecimento e peço para que não se sinta tão desolado. Pois a morte de seus filhos foi arquitetada.
- Arquitetada? – Rugiu Hércules.
- Sim. – Continuou a ave, levantando voo até uma distância segura do homem que se pôs de pé e começou a tremer de ódio – Hera não tolerou sua felicidade e, por isso, fez com que Ate o cobrisse com seu véu, para que entrasse num estado de loucura e fizesse o que fez. Ela quer sua ruína.
Sentindo sua ira fervilhar, ardendo ao lado de sua frustração e sensação de impotência perante as maquinações dos deuses, Hércules questionou o que deveria fazer.
- Continue sua viagem para Delfos, encontre o Oráculo, mas faça a pergunta certa. Descubra o que deve fazer, para que seu crime seja perdoado pelos deuses.
- Meu crime?! Eu fui induzido à loucura e ainda tenho que me remediar por isso? Para que uma deusa qualquer fique satisfeita?
- Infelizmente sim. – Respondeu a coruja, alçando voo para os céus – Mas você não estará sozinho, seu pai pediu para que Athena fique sempre ao seu lado, e ela irá fazer isso.
Vendo a sombra da ave desaparecer no horizonte, Hércules deu vazão à sua cólera, e a clareira passou a ter quase quatro vezes o seu tamanho anterior quando o herói voltou para a estrada e rumou para Delfos.


Por carregar tesouros de Tebas, Hércules foi recebido com rapidez pelos sacerdotes do templo de Apollo, morada do Oráculo de Delfos. A mistura de cheiros do lugar era nauseante, fazendo a respiração se tornar trabalhosa e deixando a mente com pensamentos leves.
O gigante teve dificuldades de colocar sua mente em ordem, antes de proferir a pergunta que desejava.
A jovem virgem, envolta em gases saídos do chão, se curvou e grunhiu em uma linguagem desconhecida para o herói, que teve de ser traduzida por dois velhos sacerdotes, cujos olhos cheios da mais pura luxúria não se afastavam das curvas quase infantis da moça.
- Você deverá ir para Micenas, se colocar ao serviço de seu primo Euristeu, quem lhe demandará dez trabalhos. Se tiver sucesso em cumprir tais empreitadas, seus crimes serão perdoados e você poderá buscar novamente sua felicidade e será também recompensado da forma mais inesperada e divina.
Sem tolerar mais os odores e o olhar dos sacerdotes e sem ter mais o que ouvir, Hércules se retirou do templo, sentindo seu coração mais leve ter encontrar uma forma de conseguir o perdão, não dos deuses, mas de seus próprios filhos.

E seguiu para Micenas, rumo à cidade que o faria o herói mais famoso e reconhecido de toda a história.

E é assim que todo o teatro foi montado pra nossa aventura!

Só me resta agora desejar a todos vocês um excelente 2014, que promete vir com muitas novidades aqui no Mitologia Verta!

Saudações mitológicas e até a próxima!


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