Bem vindo de volta meus caros!
Como prometido, este será o prólogo para o nosso Ano Hercúleo! Nesse conto, irei mostrar, de forma sucinta, como o grande heróis nasceu e se tornou o homem que é.
Espero que se divirtam e, no último conto de Janeiro/14, teremos o seu primeiro grande trabalho!
Hércules, um homem de musculatura e
proporções enormes, rumava para a cidade de Delfos, onde buscaria os conselhos
do famoso oráculo. Seus longos cabelos negros, emolduravam a face de
tristes olhos da mesma cor, que lhe davam um ar ambíguo, tanto selvagem quanto
o quadro da mais perfeita depressão.
Ninguém, ao seu redor, sabia do sofrimento
que sentia, até os próprios deuses teriam dificuldade de entrar na mente
turbulenta daquele homem em desespero. Não conseguindo, ele mesmo conter o
turbilhão, Hércules virou para os céus e bradou, com sua voz grossa e tão
similar a um rugido:
- Meus deuses! O que esperam de mim? Por
que devo sofrer tanto? - E caiu de joelhos na estrada vazia.
Como se em resposta, vindo dos céus, uma
coruja, com suas penas uma mescla equilibrada entre cobre e prata, pousou
no ombro do gigante homem.
Ao visar os olhos do herói, a criatura
divina viu apenas a expressão de um homem perdido e indagou:
- Caro Hércules, o que faz buscando a
cidade de Delfos? Espera encontrar o perdão dos deuses?
- Minha cara Nikitmene, você esteve ao meu
lado durante anos. Lembro de sua presença desde a minha mais tenra idade, mas
me abandonou quando me tornei um homem e casei com Mégara.
- Nunca o abandonei, grande herói, apenas
passei a observa-lo de longe. – Respondeu a coruja, com uma voz mansa e
carinhosa – Fiquei ao seu lado enquanto Athena assim desejou, como agora.
- Athena?! – Questionou com surpresa –
Então é para ela que responde! E que respostas me traz dos deuses? Serei para
sempre um sofredor que mal sei de onde vim?
- Me siga Hércules, trago ordens de Athena
e Zeus, para lhe contar toda a verdade. Você sempre se mostrou um
homem bom e honrado, mesmo com todas as recentes amarguras, e agora irá saber
de tudo.
Hércules se desviou do caminho usual e se
embrenhou na floresta esparsa, sem temer homem ou fera, pois possuía a força de
inúmeros guerreiros, a sabedoria de centenas de anciões e o conhecimento
militar de milhares de generais. Ao encontrarem uma clareira adequada, se
sentaram e a ave começou a contar toda a história.
- Você Hércules, é na verdade filho de
Alcmena com o maior dos deuses, Zeus, o senhor do Olimpo.
- Eu sou filho de um deus? E quanto a Anfitrião?
- Ele é seu pai por criação, pois, como
todo semideus, você não pôde viver ao lado de seu pai verdadeiro. Zeus tinha
grandes planos para você.
Durante muitos anos, ele viu os helenos se
degladiarem em guerras, contendas e disputas desnecessárias, até decidir que todo
o povo grego deveria ser unificado embaixo de um único rei, um herói.
Para isso decidiu que ele mesmo teria que
gerar tal homem e, buscando uma mulher adequada, acabou se apaixonando por
Alcmena, descendente de Perseu, mas ela estava prometida para Anfitrião.
O casamento de ambos deveria já ter
ocorrido, mas, por um golpe do destino, Anfitrião acabara matando
acidentalmente o pai de Alcmena, que passou a se recusar de estabelecer laços
com o assassino de Eléctrion.
Então, usando de seus poderes divinos e se
aproveitando da situação, Zeus fez com que Alcmena aceitasse Anfitrião, desde
que ele aceitasse a condição de entrar em guerra com os Teléboas, guerreiros
com voz de trovão e antigos inimigos de Eléctrion, assim que os rituais de
união fossem concluídos.
Por ainda amar Alcmena, Anfitrião não
questionou tal pedido, por mais estranho que tenha parecido, e partiu para
guerra antes mesmo do festim nupcial se iniciar.
Zeus acompanhou a guerra de seu trono no
Olimpo, observando cada trejeito e conquista do guerreiro, e, após três dias de
batalha, viu que os Teléboas estavam derrotados. Não perdendo tempo, o senhor
dos deuses tomou a forma de Anfitrião e se apresentou para Alcmena, contando
todas as proezas que fizeram em combate, numa atuação tão perfeita que
enganaria qualquer mortal.
Recebendo tantos detalhes e reconhecendo
os trejeitos de seu marido, Alcmena se entregou para Zeus e fizeram amor
durante três noites.
Para lograr tal feito, Zeus enviou Hermes
com ordens para três deuses, Hélios, o deus Sol, não deveria sair de seu
palácio, Selene, a deusa da Lua, deveria retardar sua caminhada nos céus e, por
fim, Hipnos, o deus do sono, deveria manter todos os mortais dormindo durante
os três dias, para que estes não percebessem a sua passagem.
Dessa união apaixonada, você foi
concebido, meu querido Hércules.
- Mas, se sou filho de Zeus e destinado a
governar os gregos, por que estive casado com Mégara e, apenas, dono de algumas
terras? – Questionou o herói, trocando sua posição para uma mais confortável,
sua expressão de homem desgraçado já mais amena.
A coruja também se ajeitou e continuou,
numa voz séria:
- É por causa de Hera. Como bem sabe ela é
a deusa da família e abomina qualquer tipo de traição nupcial.
Próximo ao dia em que você nasceria, Zeus
não se conteve mais e juntou todos os Olimpianos para contar sobre seu filho e
seus planos de unificar a Grécia, dizendo em como o próximo filho da linhagem
de Perseu iria se tornar o governante de todos os helenos.
Com o ciúmes correndo por suas veias e já
bolando um plano para se vingar de seu marido, Hera pediu para que Ate, a deusa
do erro, jogasse seu manto invisível sobre o grande deus e perguntou se ele
confirmaria novamente essa previsão.
Com o peito cheio de orgulho, seu pai
jurou sobre as águas do rio Estige, que percorre o mundo dos mortos, que todos
os mortais se curvariam para o próximo bebê que nascesse com o sangue de
Perseu.
Vendo o pacto selado, Hera buscou a ajuda
de Ilítia, a deusa dos partos, para que retardasse o seu nascimento e
acelerasse a vinda de seu primo, Euristeu, para o mundo, mesmo que na forma de
uma criaturinha miúda e fraca.
Ao saber de toda a artimanha, Zeus, lançou
Ate para fora do Olimpo, banindo-a eternamente para o mundo mortal, e tornando
o erro algo apenas relacionado à humanos, mas não poderia voltar atrás de suas
palavras. Anos depois, Euristeu, o qual se mostrou um homem mesquinho, débil e
ardiloso, se tornou o rei de Micenas, pois não foi capaz de unificar toda a Grécia.
Porém, o grande deus não deixaria seu
filho desamparado, pois sabia que Hera iria perseguí-lo até o fim dos tempos,
uma vez que ele ainda seria um grande herói, responsável por inúmeros feitos
fantásticos, e mandou que Athena cuidasse de você.
E assim começou a sua história.
- Agora começo a entender porque você
esteve ao meu lado. – Ponderou Hércules – Corujas sempre foram um símbolo da
deusa da sabedoria.
- Sim, eu fui enviada para observar você e
lhe passar todo o conhecimento Olimpiano, tornando-o culto e sábio, assim como
proteger você desde o segundo dia.
- Segundo dia? Athena não deveria ter me
vigiado desde o começo?
- Sim, mas, no primeiro dia, ela lhe deu
um presente mais valioso, sua força e invencibilidade. Quando você nasceu,
Athena avisou Alcmena sobre os ataques da deusa, e a aconselhou a esconder você
no campo, o que foi feito sem demoras.
Utilizando-se de sua infinita
inteligência, Athena saiu para caminhar com Hera e fez com que ela passasse
próxima do seu esconderijo, para que você fosse encontrado.
Hera, não desconfiando da filha de Zeus,
pensou ter encontrado um bebê qualquer, que estava abandonado, e o alimentou
com seu leite divino, lhe conferindo força e velocidade sobre-humana, assim
como uma resistência muito maior daquela de qualquer outro mortal.
Naquela noite, você foi levado de volta
para o palácio de Alcmena e Anfitrião, onde conquistou seu primeiro ato heroico.
Athena estava explicando para sua mãe e
seu pai adotivo tudo o que havia ocorrido no Olimpo, e como você deveria ser
criado com amor e dedicação, acreditando que tudo estava calmo no outro cômodo.
Porém, vendo uma abertura na sua proteção, sem saber que você havia bebido o
leite mágico, Hera enviou duas enormes serpentes, que rastejaram silenciosamente
e o atacaram.
Ao escutarem o estardalhaço, os dois
mortais e a deusa, correram para ver como você estava, mas era tarde demais. No
chão do quarto, encontraram apenas as carcaças sem vida das víboras, que não
resistiram à sua força e invencibilidade e foram estranguladas até a morte.
Naquela mesma noite, Athena me convocou e
eu fiquei ao seu lado até a vida adulta, não só garantindo tudo que já lhe
mencionei, mas, também, encontrando os melhores mestres e tutores nas artes da
cultura e da guerra, para que você fosse moldado com o maior de todos os
heróis.
- O maior de todos os heróis? – Riu Hércules,
tristemente, seus olhos se enchendo de lágrimas – Você partiu quando eu me
tornei um homem, então deixe-me contar como minha vida seguiu até esse dia:
Realmente, Anfitrião me criou como a um
filho, me ensinou a guiar carros de combate, manusear a espada e o arco, assim
como convocou os melhores para me ensinarem a arte da guerra, da música, da
ginástica e das letras e, durante anos, eu fui feliz e heroico, pois matei o
leão que atormentava os rebanhos de meu amigo Téspio e comandei as tropas que
livraram o reino de Tebas e seus arredores dos terríveis homens de Orcômeno,
senhor da guerra que vinha conquistando e escravizando toda a Grécia.
Essa última conquista me proporcionou
minha maior felicidade e minha maior desgraça, pois Creonte, rei de Tebas, me
agradeceu com a mão de sua filha Mégara, uma mulher maravilhosa, e me tornando o
sucessor do trono.
Deveria ter suspeitado de minha linhagem,
uma vez que fui presenteado pelos deuses, no meu casamento, com uma couraça
completa, uma espada afiadíssima, um arco sem igual e um escudo que, até agora,
se mostrou indestrutíveis, todos esses itens feitos do mais puro ouro, assim
como dois cavalos velozes como o mar em tempestade.
- Me lembro disso. – Comentou Nikitmene –
Lembro também de como foi difícil manter sua mente longe dos deuses, para que
não pensasse sobre sua descendência. Foi a última vez que nos vimos.
- Sim, aquela foi a última vez e os anos
seguintes foram os mais felizes de minha vida, continuei me aventurando e
Mégara me presenteou com três lindos filhos. Mas, num momento de total loucura,
acreditei que estava sendo atacado por três dragões, num palácio amaldiçoado, e
os ataquei sem perdão, assim como destruí sua morada.
Após horas de combate e destruição, minha
visão se turvou e vi que, na realidade, eu havia acabado com o palácio de
Creonte, deixando apenas blocos de rochas espalhados que, uma vez removidos, me
mostraram a pior visão que já tive, os corpos de três crianças dilaceradas.
Eu, sozinho, havia executado meus próprios
filhos.
Sem poder me conter, abandonei minha casa,
sob as ameaças de Mégara, a mulher que eu amei, me envenenar durante o sono
como vingança, e vaguei pelo mundo sem destino. Até que, conhecendo um
viajante, fui informado sobre o Oráculo e decidi ir até Delfos, descobrir
porque sou tão amaldiçoado.
A expressão de Nikitmene era sóbria, mesmo
para uma coruja, e, usando o tom mais reconfortante que conseguiu, assumiu:
- Eu já sabia de sua história, pois vivo
no Olimpo. Mas agora você sabe de tudo que aconteceu sem o seu conhecimento e
peço para que não se sinta tão desolado. Pois a morte de seus filhos foi
arquitetada.
- Arquitetada? – Rugiu Hércules.
- Sim. – Continuou a ave, levantando voo
até uma distância segura do homem que se pôs de pé e começou a tremer de ódio –
Hera não tolerou sua felicidade e, por isso, fez com que Ate o cobrisse com seu
véu, para que entrasse num estado de loucura e fizesse o que fez. Ela quer sua
ruína.
Sentindo sua ira fervilhar, ardendo ao
lado de sua frustração e sensação de impotência perante as maquinações dos
deuses, Hércules questionou o que deveria fazer.
- Continue sua viagem para Delfos,
encontre o Oráculo, mas faça a pergunta certa. Descubra o que deve fazer, para
que seu crime seja perdoado pelos deuses.
- Meu crime?! Eu fui induzido à loucura e
ainda tenho que me remediar por isso? Para que uma deusa qualquer fique
satisfeita?
- Infelizmente sim. – Respondeu a coruja,
alçando voo para os céus – Mas você não estará sozinho, seu pai pediu para que
Athena fique sempre ao seu lado, e ela irá fazer isso.
Vendo a sombra da ave desaparecer no
horizonte, Hércules deu vazão à sua cólera, e a clareira passou a ter quase
quatro vezes o seu tamanho anterior quando o herói voltou para a estrada e
rumou para Delfos.
Por carregar tesouros de Tebas, Hércules
foi recebido com rapidez pelos sacerdotes do templo de Apollo, morada do
Oráculo de Delfos. A mistura de cheiros do lugar era nauseante, fazendo a
respiração se tornar trabalhosa e deixando a mente com pensamentos leves.
O gigante teve dificuldades de colocar sua
mente em ordem, antes de proferir a pergunta que desejava.
A jovem virgem, envolta em gases saídos do
chão, se curvou e grunhiu em uma linguagem desconhecida para o herói, que teve
de ser traduzida por dois velhos sacerdotes, cujos olhos cheios da mais pura
luxúria não se afastavam das curvas quase infantis da moça.
- Você deverá ir para Micenas, se colocar
ao serviço de seu primo Euristeu, quem lhe demandará dez trabalhos. Se tiver
sucesso em cumprir tais empreitadas, seus crimes serão perdoados e você poderá
buscar novamente sua felicidade e será também recompensado da forma mais
inesperada e divina.
Sem tolerar mais os odores e o olhar dos
sacerdotes e sem ter mais o que ouvir, Hércules se retirou do templo, sentindo
seu coração mais leve ter encontrar uma forma de conseguir o perdão, não dos
deuses, mas de seus próprios filhos.
E é assim que todo o teatro foi montado pra nossa aventura!
Só me resta agora desejar a todos vocês um excelente 2014, que promete vir com muitas novidades aqui no Mitologia Verta!
Saudações mitológicas e até a próxima!
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