Como programado, estamos no final do mês e isso significa mais um trecho na caminhada de Hércules!
Neste conto ele irá iniciar seus doze trabalhos enfrentando o terrível Leão de Neméia!
Hércules
chegou em Micenas com o sol se pondo às suas costas e se dirigiu ao palácio
real.
A
cidade ainda estava viva com seu comércio, cheio de transeuntes e ambulantes
que abriam espaço prontamente quando viram o gigante corpo do herói se
aproximar. Um sujeito chegou a lhe oferecer um arco, falando que era feito de
uma madeira tão resistente que, ao ser tracionado, mandaria uma flecha a
centenas de metros de distância, mas, com um pouco de força, a arma se
estilhaçou nas mãos musculosas de Hércules, que apenas riu e devolveu os restos
para o vendedor, batendo de leve na própria arma que trazia.
Além
de suas armas, Hércules trazia consigo Iolau, filho de seu meio-irmão, Íficles,
que daria testemunho de seus feitos, quando retornassem para casa, e teria a
oportunidade de se desenvolver pessoalmente ao acompanhar e observar o tio.
Nos
portões imensos do palácio, Hércules foi barrado pelos guardas, que demandaram
que ele aguardasse até ser recebido pelo Rei Euristeu.
Euristeu
era uma criatura na forma de homem que somava tudo que não deveria ser esperado
de um monarca, suas feições eram feias, moldadas num corpo pequeno e fraco, com
a voz esganiçada de uma velha bruxa e capaz de tantas crueldades quanto a
mesma, além de ser um covarde e mentiroso sem igual, de modo que, ao se abrirem
os portões, o rei avistou apenas a silhueta do herói colossal, contra o sol
vermelho do poente, e debandou para seus aposentos, onde ficou chorando,
lamuriando e pensando numa forma de se livrar de tal monstruosidade até pegar no
sono.
Hércules,
no receio de perder a oportunidade de se redimir, mandou Iolau conseguir um
quarto para si na cidade e aguardou, sentado junto à entrada do palácio, por
uma exigência ou missão.
Enquanto
o herói aguardava noite à dentro, os sonhos de Euristeu eram invadidos por
Hera, que mostrou uma criatura terrível, considerada imbatível, e cujo rugido
fez o rei acordar aos berros de desespero quando o sol estava nascendo, berros
que se tornaram uma risada maléfica, antes do rei recompor a pouca postura que
possuía e chamar por seu serviçal.
Copreu, cuja índole era perfeitamente
representada pelo seu nome, que significava “esterco”, recebeu as instruções do
rei e se dirigiu até os portões, se deliciando a ponto de salivar com a
oportunidade de dar ordens à um herói renomado como Hércules. Ao se deparar com
o guerreiro, o mensageiro inflou o peito, se empertigou até sua máxima altura,
que mal chegava aos cotovelos do gigante, e cuspiu numa voz seca e arrogante
que aquele a serviço do ilustríssimo governante de Micenas deveria se retirar e
retornar apenas com alguma prova de que havia aniquilado o aterrador Leão que
atormentava o vilarejo de Neméia.
Ignorando os maus tratos do mensageiro, Hércules
se virou e seguiu para seu destino, se sentindo tranquilo, pois já havia
matados leões antes, não teria problemas de acabar com mais um.
Ao chegar, pensou ter encontrado a aldeia
vazia, com as casas fortemente trancadas, janelas embarreiradas e ruas
desertas, porém, com o cair do dia, viu que tímidas luzes eram acesas dentro de
cada construção.
Sem demora, Hércules bateu em uma das
residências, questionando se não poderia entrar, mas foi imediatamente
rejeitado por uma voz masculina e adulta que alegava estar na época do leão
sair de sua cova para comer, o que fazia uma vez por semana, e que o forasteiro
deveria fugir o mais rápido possível, uma vez que nenhum habitante seria louco
de abrir suas defesas para abrigar um estranho.
Ao perguntar de onde vinha tal besta, pois
queria encontrá-la, o gigante, após um silêncio desconfortável, foi direcionado
para a floresta ao sul da aldeia e avisado que era desperdiçar sua própria vida
buscar embate com um monstro terrível como o Leão.
Hércules sabia que a outra opção era viver
com a morte de seus filhos sobre seus ombros e nunca havia temido uma boa
batalha, então seguiu para fora da cidade, onde avistou uma oliveira frondosa,
próxima à casa de um velho que empilhava lenha do lado de fora.
Questionando o que o velho estava fazendo,
este o respondeu que todas as semanas, desde que se mudara para fora da vila de
Neméia, ele acendia uma fogueira em sacrifício à Zeus, que o protegia dos
ataques do Leão.
Hércules quis saber porque o mostro era tão
temido e descobriu que ele havia nascido de Tífon e Équidna, dois monstros
poderosíssimos. O Leão era um pouco maior que outros de sua espécie, mas muito
mais pesado e rápido, o que o tornava muito mais forte, além de ter um rugido
tão poderoso que podia ser ouvido à quilômetros de distância, mas a fera ainda
possuía uma característica mais inacreditável que todas as outras somadas, sua
pele era tão resistente que nenhuma arma mortal poderia feri-la, tornando-o invulnerável.
O herói começou a compreender porque haviam
lhe dado esse trabalho e qual era o real intuito de Euristeu...matá-lo. Porém,
sem vacilar por um instante sequer, Hércules pediu a frondosa oliveira para o
velho em troca de eliminar o leão.
Acreditando estar fazendo a última vontade
de um homem condenado, o ancião aquiesceu, e viu com enorme surpresa o
guerreiro arrancar a árvore do solo com apenas umas das mãos e, com grande
habilidade, quebrar e arrancar os galhos até ficar com uma formidável clava, de
altíssima qualidade pela dureza da madeira.
Colocando a arma no ombro, pediu que o
velho aguardasse seu retorno para fazerem juntos um sacrifício à Zeus. Quando
retomou sua capacidade de falar, após a demonstração da força de Hércules, o
dono da casa perguntou o que deveria fazer caso ele não voltasse e foi
requisitado que, caso o herói não voltasse em trinta dias, deveria fazer um
sacrifício funeral, para que sua alma vá tranquilamente para o hades.
Hércules caminhou por dois dias até encontrar
os primeiros rastros, pegadas grandes e profundas, além de espaçadas, mostrando
os enormes saltos que o felino dava, dificultando o trabalho de serem seguidas,
mas o guerreiro era também um ótimo caçador e encontrou em poucos dias o leão
dormindo numa clareira.
Se aproximou sorrateiramente o máximo que
pôde e disparou a sua primeira flecha, acertando entre os olhos cerrados, mas
ricocheteando sem causar ferimentos. A segunda flecha atingiu o pescoço e voou
para longe, fazendo apenas o animal se coçar, como se atormentado por uma chata
mosca.
Nesse tempo, Apolo já estava quase no ponto
mais alto de sua trajetória e com a luz e calor intensos o leão acordou, se
agitou levemente olhando em direção ao sol, como se praguejasse ter sido
atrapalhado, e começou a caminhar lentamente mata a dentro.
Hércules seguiu a fera até que esta entrou
em uma cova no chão, onde provavelmente retomaria seu descanso, e o filho de
Zeus decidiu que iria ficar aguardando o leão sair da toca, uma vez que, no seu
interior, ele não teria espaço para manusear sua clava.
Por um dia o guerreiro aguardou em vão,
pois, quando o sol atingiu novamente seu ápice, ele escutou o Leão rugindo em
um outro ponto da floresta, um som tão poderoso que fazia as folhagens das
árvores vibrarem em direções contrárias ao vento.
Acreditando que deveria ter cochilado
durante a noite e, somado ao escuro, a fera poderia ter saído desapercebida,
Hércules se escondeu atrás de uma pedra próxima, disposto a atacar quando a
criatura estivesse para entrar em sua toca, já que sabia não ser capaz de
alcançar o local de onde vinha o som antes que o Leão se movesse para outro
lugar.
Por três dias e três noites o gigante
vasculhou atentamente o horizonte, mantendo sua atenção o mais focada possível,
mas foi surpreendido com o felino saindo da gruta, se abaixando para pegar
impulso e dando um salto inigualável que o fez sumir entre as folhagens.
Após pensar sobre isso e tendo a certeza
que não havia dormido dessa vez, Hércules se deu conta de que a cova deveria
ter uma segunda entrada, a qual encontrou após algumas horas de busca.
Pretendendo encurralar sua presa e
utilizando de sua força divina, selou a outra entrada com enormes pedras e
correu para seu esconderijo onde aguardaria novamente o Leão.
Quando a tarde estava se aproximando do
fim, Hércules pode ouvir os rugidos e gruídos irritados da besta, que deveria
ter acabado de descobrir o acesso bloqueado. Minutos depois, o guerreiro viu o
leão surgir entre as folhagens, mas, como já estava quase escuro e seu
adversário estava atento e irritado, ele decidiu que o deixaria entrar em sua
toca e o pegaria desprevenido assim que saísse no outro dia, pois também estava
cansado de ficar tantas noites em claro.
O instinto do gigante o acordou quando os
primeiros raios de luz despontaram no horizonte e ele se aproximou da caverna,
tentando descobrir se o mostro já estava desperto. Conseguiu escutar, no fundo
da gruta, o leão bufando e arranhando, provavelmente tentando remover as
pedras, então Hércules correu para a outra entrada onde viu que um dos blocos
já havia sido rolado para fora, deixando uma abertura.
Rapidamente, o guerreiro recolheu galhos
secos, ateou fogo neles e os jogou para dentro do buraco. A cova, com o vento a
favor, acabou se tornando um enorme cachimbo, jogando toda a fumaça dos galhos
para dentro.
Hércules, usando de toda a sua velocidade,
correu para a primeira entrada e ficou apostos com sua clava em riste, até que
a fera saiu tossindo e com olhos vermelho, faiscando de ódio. O golpe da clava
foi certeiro e tremendo contra o crânio do felino, fazendo toda a terra
retumbar, mas a pele invulnerável cumpriu seu papel e o que foi estilhaçado foi
apenas a arma, que rachou de ponta a ponta.
No entanto, a força hercúlea havia sido
suficiente para atordoar o animal, que cambaleava sem conseguir se manter firme
em pé, dando a oportunidade do herói saltar em suas costas e impedir sua
respiração numa poderosa chave de pescoço.
O Leão se debateu por muitos minutos, numa
disputa de resistência e força, mas em vão, pois o filho de Zeus saiu
vitorioso, largando o corpo inerte no chão e caindo sentado de exaustão, pelos
poucos dias de sono e muita luta.
Após descansar, Hércules decidiu que não
haveria prova maior de sua conquista do que levar a própria carcaça de volta a
Micenas, mas a viagem estava se mostrando longa e penosa, uma vez que a
criatura pesava muito mais que um leão qualquer, e levou dias apenas para
chegar na casa do velho, que preparava uma pira funerária em seu jardim, com um
boneco de palha surpreendentemente parecido com Hércules em seu topo. Um mês
havia se passado, desde que saíra daquela casa.
Vendo o Herói ao longe carregando o corpo
do animal, o velho deu um grito de surpresa e júbilo e comentou que ele não
precisaria ter trazido tal prova, pois acreditaria na palavra do semi-deus.
Hércules então explicou que deveria levar
uma prova física de sua vitória para o Rei Euristeu, quem exigira a caça, mas
não tinha ideia de quanto tempo levaria, pois a única comprovação que possuía era
o próprio corpo do leão, que pesava mais que um enorme bloco de rocha.
O velho então sugeriu que o leão fosse
esfolado, como fizera tantas vezes para tirar o couro de seus bois, mas
Hércules explicou que a invulnerabilidade ainda estava ativa na pele da fera e
que havia gasto todo o fio de sua faca tentando chegar na carne, em diferentes
pontos.
De qualquer modo, seria uma viagem terrível
até Micenas, pois o corpo da fera já estava começando a exalar o cheiro da
morte, que não só se tornaria insuportável quanto atrairia todo tipo de
carniceiro para o herói. Então decidiram que iriam achar uma forma de terminar
o trabalho.
Foi durante a refeição matinal no dia
seguinte que o velho teve uma ideia, por que não usar as poderosas garras do
leão, para rasgar sua própria pele?
Hércules rugiu de alegria quando a garra
penetrou, com dificuldade, na pele, fazendo escorrer o sangue negro e
coagulado. Levaram quase dez dias para retirar a pele e curti-la, mas no final
o prêmio fez valer o esforço. O Guerreiro poderia vestira a pele como uma capa
e poderia viajar rapidamente.
Após queimarem os restos do leão de Neméia
em sacrifício a Zeus, Hércules se despediu do velho e partiu, pedindo para que
ele espalhasse a notícia de que não só o vilarejo quanto toda a região estavam
livres dos constantes ataques.
Sem a carga, o herói chegou aos portões de
Micenas em poucos dias de marcha, onde jogou a pele gritando pelo Rei. Euristeu
enviou Copreu para confrontar Hércules, e correu para seus aposentos gritando
quando viu a cabeçorra do felino mítico.
Copreu, jogando a pele de volta para
Hércules, ordenou-o a aguardar na taverna onde seu sobrinho estava até ser
convocado para um novo trabalho, mas admitiu, muito a contra gosto, que aquela
missão havia sido cumprida.
Euristeu não saiu de seu cômodo, pegando no
sono quase rouco de tanto gritar de ódio e medo, e naquela noite Hera invadiu
seus sonhos novamente.
Continuaremos no final de fevereiro com o próximo trabalho!
Saudações mitológicas e até a próxima!